Tóxico

Tem gente que consegue extrair o pior de dentro de nós.
Funciona como veneno poderoso. Nem precisa ser ingerido. Basta chegar perto, basta exalar aquele aroma seco que machuca os pulmões no respirar mais profundo. O veneno – que, cruel, não mata – age como droga. Nocivo que é, ele muda a forma de lidarmos com o mundo. Não relaxa, como a cannabis; não estimula, como cocaína. Mas vicia, como crack.
Os olhos não ficam vermelhos e as pupilas seguem dilatadas com parcimônia, como deveriam ser, para enxergarmos melhor. Mas a cegueira está ali. Munida de uma certa raiva, de um certo bode, de uma certa maldade, essa substância ao mesmo tempo cinza e incolor, ao mesmo tempo melequenta e gasosa, inebria, distorcendo todos os valores, toda a moral construída pelos percalços do caminho. Pelo superar das adversidades.
Os atos horrendos, antes inimagináveis, são cometidos sem pudor.
O usuário, nem sempre ciente de que fora afetado – perceba aqui o perigo da droga – se transforma no monstro que sempre condenou e evitou. É ele, agora, a criatura que merece distância. Que merece temor.
As consequências são, geralmente, catastróficas e, o pior, não é só para ele. A potência dessa substância influencia todo um entorno, gerando uma reação em cadeia. Um tufão invencível, um chupacabra imortal.
E a ressaca, como é de lei natural, sempre vem. Os principais sintomas, além da óbvia dor de cabeça, é o arrependimento. O desespero, quando se percebe o que foi feito, acomete até os indivíduos mais insensíveis. Pode haver choro e é provável que sejam tentados métodos drásticos para reverter qualquer mal-estar. Mas esse esforço quase sempre é em vão.
Mesmo abatido, a chance de ser acometido pelos mesmo processos outra vez é, infelizmente, muito alta.
A quebra do ciclo vicioso requer muito autocontrole e, mais importante, força de vontade. Meditação talvez ajude. Mas é pior que dieta, que tentar parar de fumar. É impossível também denunciar às autoridades – o tóxico é legal nos termos jurídicos.
São poucos os que se tornam imunes. A recaída costuma ser recorrente. Os sobreviventes deveriam criar uma nova forma de sociedade, marginal.
O triste é saber que são poucos – muito, muito poucos – os que poderiam participar dessa paz, integrar essa elevada comunidade.
É preciso desintoxicar. Só com o bem se mata o mal. Mas esse já vive, respira, se alimenta, dorme, descansa, desperta, cresce e explode bem dentro de nós.

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